A obesidade é frequentemente retratada como uma simples consequência de maus hábitos alimentares e sedentarismo. No entanto, a realidade é muito mais complexa. Trata-se de uma condição crônica, multifatorial, com raízes profundas nos aspectos emocionais, psicológicos, sociais, ambientais e genéticos.
Neste artigo, você vai entender por que a obesidade vai muito além do peso, abordando as emoções na obesidade, os impactos do estigma social e médico, e como promover um tratamento humanizado e eficaz.
O que é obesidade e por que não se trata apenas de “peso a mais”
A obesidade é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal que pode prejudicar a saúde. É uma das principais causas de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como diabetes tipo 2, hipertensão arterial e doenças cardiovasculares.
Uma condição com causas múltiplas
Reduzir a obesidade a “comer demais e não fazer exercício” é um erro. Suas causas são complexas e incluem:
- Predisposição genética
- Distúrbios hormonais e transtornos psiquiátricos
- Estresse crônico e sono de baixa qualidade
- Ambiente obesogênico (pouca oferta de alimentos saudáveis e estímulo ao sedentarismo)
- Uso prolongado de medicamentos
- Estilo de vida e fatores socioeconômicos
Aspectos emocionais da obesidade
Desde os anos 1950, estudos têm investigado os aspectos psicológicos da obesidade. Não é raro que o ganho de peso esteja relacionado a:
- Transtornos alimentares como compulsão ou comer emocional
- Sentimentos de culpa, vergonha e baixa autoestima
- Transtornos de ansiedade e depressão
- Dificuldades nos relacionamentos interpessoais
Esses fatores criam um ciclo vicioso: sofrimento emocional → alimentação disfuncional → ganho de peso → sofrimento emocional intensificado.
Obesidade infantil e adolescente: uma realidade alarmante
Dados preocupantes
Segundo o IBGE, 1 em cada 3 crianças brasileiras entre 5 e 9 anos está com excesso de peso. Já a Organização Mundial da Saúde projeta que, até 2025, o mundo terá mais de 75 milhões de crianças obesas.
Fatores emocionais e ambientais
Diversos fatores contribuem para a obesidade infantil:
- Padrões alimentares familiares
- Excesso de telas e sedentarismo
- Baixa oferta de alimentos saudáveis
- Pressões emocionais no ambiente familiar
- Cuidadores que usam a comida como forma de afeto ou controle
Além disso, crianças com obesidade podem desenvolver sentimentos como:
- Inferioridade e isolamento
- Ansiedade e tristeza
- Baixa autoestima e imagem corporal negativa
Como acolher crianças e adolescentes com obesidade
Para promover uma abordagem respeitosa e eficaz, é essencial:
- Envolver pais e cuidadores de forma colaborativa
- Evitar comentários sobre o corpo da criança
- Trabalhar com foco na autoimagem e regulação emocional
- Promover alimentação consciente e prazerosa
Obesidade na vida adulta: dores emocionais invisíveis
A obesidade na fase adulta pode ser uma continuidade do peso adquirido na infância ou surgir por fatores como:
- Mudanças hormonais
- Vida sedentária
- Estresse crônico
- Transtornos emocionais mal resolvidos
O ciclo do estresse e da alimentação emocional
O estresse ativa mecanismos neuroendócrinos, liberando cortisol, que aumenta a vontade por alimentos doces e gordurosos. Isso leva a:
- Alívio momentâneo do estresse
- Culpa e frustração
- Aumento de peso
- Reforço da alimentação disfuncional
- Potencial desenvolvimento de transtornos como depressão ou transtorno de compulsão alimentar
Estigma da obesidade: uma ferida social silenciosa
Muitas pessoas com obesidade sofrem preconceito em diversos espaços, incluindo:
- Família
- Escola
- Ambiente de trabalho
- Mídia
- Consultórios médicos e nutricionais
Estigmas comuns incluem frases como:
- “É só parar de comer.”
- “Você não tem força de vontade.”
- “Gente gorda é preguiçosa.”
Esse tipo de discurso é extremamente prejudicial, podendo levar a:
- Desvalorização pessoal
- Distúrbios alimentares
- Baixa autoestima
- Risco aumentado de suicídio
Gordofobia médica: quando o preconceito vem do profissional de saúde
Um dos impactos mais graves ocorre quando a gordofobia vem de quem deveria cuidar. É comum ouvir relatos de pacientes que:
- Têm todas as suas queixas reduzidas ao peso
- São constrangidos em consultas
- São comparados a outros pacientes
- Recebem dietas restritivas sem escuta ativa
Essas atitudes afastam o paciente do tratamento e aprofundam a dor emocional.
Boas práticas no atendimento
Um profissional empático e atualizado deve:
✅ Ouvir sem julgamento
✅ Validar as queixas do paciente além do IMC
✅ Trabalhar objetivos sustentáveis e centrados na qualidade de vida
✅ Promover autoaceitação e saúde mental
Estigma entre profissionais da saúde
Quando o próprio nutricionista ou psicólogo está fora do padrão estético magro, é comum ouvir:
“Não dá pra confiar em nutricionista gorda. Como ela vai me ajudar?”
Essa crença é extremamente nociva e desconsidera que corpo não é parâmetro de competência.
A influência da mídia na obesidade
A mídia reforça o estigma da obesidade ao associar:
- Corpos magros à felicidade, sucesso e saúde
- Corpos gordos à tristeza, fracasso e doença
Essa narrativa contribui para:
- Distúrbios alimentares
- Uso indevido de medicamentos
- Intervenções radicais e não sustentáveis
Como combater o estigma da obesidade
Em 2020, o Consenso Internacional para o Fim do Estigma da Obesidade estabeleceu compromissos importantes:
- Tratar pessoas com sobrepeso e obesidade com dignidade e respeito
- Abandonar narrativas que associam obesidade a preguiça
- Educar a sociedade e profissionais sobre as reais causas da obesidade
- Atuar contra a discriminação em escolas, empresas e hospitais
Cuidar com empatia, não julgar
Obesidade é uma condição de saúde complexa, e não um “defeito de caráter”. O tratamento deve ser feito com base em:
✔ Psicoterapia
✔ Reeducação alimentar sem dietas restritivas
✔ Prática de atividade física prazerosa
✔ Acolhimento emocional e desconstrução de crenças limitantes
Afinal, promover saúde é promover dignidade.
Este artigo é informativo e não substitui a avaliação e o acompanhamento psicológico profissional. Se você enfrenta dificuldades com alimentação ou imagem corporal, procure um psicólogo qualificado.