Recaídas em Transtornos Alimentares: Como Prevenir e Lidar com o Retorno dos Sintomas

Psicóloga e pós-graduanda em Psiconutrição. Atua com Terapia do Esquema e atendimentos online, ajudando mulheres a fortalecerem sua autoestima e a construírem uma relação saudável com a comida.

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A jornada de recuperação de um transtorno alimentar raramente segue um caminho linear. Para muitas pessoas, esse processo inclui momentos de progresso significativo intercalados com períodos de retrocesso, conhecidos como recaídas. Dados recentes indicam que aproximadamente 30% a 50% das pessoas em tratamento para transtornos alimentares experimentam alguma forma de recaída nos primeiros anos após a recuperação inicial.

O impacto de uma recaída vai muito além dos comportamentos alimentares disfuncionais. Ela pode desencadear intenso sofrimento emocional, sentimentos de fracasso, vergonha e desesperança.

Neste artigo, exploraremos abordagens terapêuticas eficazes para prevenir e manejar recaídas em transtornos alimentares, com foco especial na Terapia do Esquema e na Psiconutrição duas abordagens que, quando integradas, oferecem um caminho promissor para uma recuperação mais sustentável e duradoura.

Compreendendo as Recaídas em Transtornos Alimentares: Lapso vs. Recaída Completa

Uma recaída em transtorno alimentar pode ser definida como o retorno a padrões de pensamentos, emoções e comportamentos característicos do transtorno após um período de melhora significativa. É crucial diferenciar um lapso (um episódio isolado e pontual de comportamento disfuncional) de uma recaída completa (um padrão persistente e prolongado do transtorno). O manejo rápido de um lapso pode prevenir uma recaída.

Estudos recentes apontam que os primeiros 18 meses após o tratamento inicial representam o período de maior vulnerabilidade. Pesquisas publicadas em 2024 indicam que fatores como comorbidades psiquiátricas (depressão, ansiedade), histórico de trauma, baixo suporte social e dificuldades em regulação emocional estão entre os principais preditores de recaída.

Os sinais de alerta que frequentemente precedem uma recaída incluem:

  • Retorno gradual de pensamentos obsessivos sobre comida, peso ou forma corporal.
  • Aumento da rigidez em relação a regras alimentares e horários.
  • Evitação crescente de situações sociais que envolvem alimentação ou que expõem o corpo.
  • Retomada de comportamentos de verificação corporal (ex: se pesar frequentemente, se olhar no espelho de forma crítica).
  • Mudanças no humor, como irritabilidade, aumento da ansiedade, tristeza ou isolamento social.
  • Preocupação excessiva com exercícios físicos ou com a perfeição alimentar (ortorexia).

Reconhecer esses sinais precocemente é fundamental para uma intervenção rápida e eficaz, evitando que um lapso se transforme em uma recaída completa.

Fatores Desencadeantes de Recaídas: O Que Causa o Retorno dos Sintomas?

Diversos fatores podem atuar como gatilhos, desencadeando o retorno a padrões disfuncionais em transtornos alimentares:

  • Estressores psicossociais: Mudanças significativas na vida (emprego, relacionamento, moradia), conflitos interpessoais, perdas ou transições importantes frequentemente precedem recaídas.
  • Gatilhos ambientais: Exposição a conteúdos midiáticos que idealizam determinados tipos corporais, comentários sobre peso ou hábitos alimentares de terceiros, e ambientes que enfatizam excessivamente dietas ou exercícios extremos.
  • Fatores emocionais: Dificuldades em lidar com emoções intensas como ansiedade, tristeza, raiva, tédio ou até mesmo alegria e euforia podem levar ao retorno de comportamentos alimentares disfuncionais quando não há estratégias eficazes de regulação emocional.
  • Padrões cognitivos disfuncionais: Pensamento dicotômico (“tudo ou nada”), catastrofização, autocrítica severa e perfeccionismo podem intensificar a vulnerabilidade a recaídas.
  • Pressões socioculturais: A valorização cultural da magreza extrema e a estigmatização de determinados tipos corporais criam um ambiente externo constantemente desafiador para a manutenção da recuperação.

A Terapia do Esquema na Prevenção de Recaídas em Transtornos Alimentares

A Terapia do Esquema (TE), desenvolvida por Jeffrey Young, oferece uma abordagem particularmente valiosa para a prevenção de recaídas em transtornos alimentares. Ao focar nas estruturas psicológicas profundas (esquemas desadaptativos precoces) que sustentam os padrões disfuncionais, essa abordagem permite trabalhar nas raízes do transtorno, não apenas em seus sintomas.

Os esquemas desadaptativos precoces são padrões emocionais e cognitivos autoderrotistas que se desenvolvem durante a infância ou adolescência e se repetem ao longo da vida, dificultando a adaptação. No contexto dos transtornos alimentares, vários esquemas específicos frequentemente contribuem para recaídas:

  • Esquema de Defectividade/Vergonha: A crença profunda de ser fundamentalmente falho, inadequado ou diferente dos outros. Este esquema pode manifestar-se como uma preocupação obsessiva com “defeitos” corporais e a crença de que o controle alimentar pode compensar essa inadequação percebida.
  • Esquema de Padrões Inflexíveis/Crítica Excessiva: Envolve a crença de que se deve atingir padrões extremamente altos de desempenho, beleza ou comportamento. No contexto dos transtornos alimentares, este esquema pode manifestar-se como regras rígidas sobre alimentação, exercício e aparência física, levando à autocrítica devastadora em caso de “falha”.
  • Esquema de Privação Emocional: A expectativa de que as necessidades emocionais de afeto, escuta e empatia não serão adequadamente satisfeitas pelos outros. Pessoas com este esquema podem buscar conforto e preenchimento através de comportamentos alimentares disfuncionais, usando a comida como “companhia”.

A Terapia do Esquema oferece diversas técnicas para modificar esses esquemas e, consequentemente, prevenir recaídas:

  • Técnicas cognitivas: Incluem o teste de realidade das crenças esquemáticas, a reatribuição de pensamentos negativos e o desenvolvimento de perspectivas mais equilibradas e gentis sobre si mesmo.
  • Trabalho experiencial: Como o diálogo de cadeiras, que permite acessar e transformar emoções profundas associadas aos esquemas, ressignificando experiências passadas.
  • Desenvolvimento do “Adulto Saudável”: Um objetivo central da TE. Esta “parte” da pessoa, capaz de responder às situações de forma equilibrada, compassiva e assertiva, torna-se um recurso interno fundamental para prevenir recaídas e promover o bem-estar.

Psiconutrição: Integrando Mente e Nutrição na Prevenção de Recaídas

A Psiconutrição representa uma abordagem integrativa e holística que combina princípios da psicologia e da nutrição para transformar a relação com a alimentação. Esta perspectiva é particularmente valiosa na prevenção de recaídas em transtornos alimentares, pois aborda tanto o “o quê” quanto o “porquê” do comportamento alimentar.

Um dos objetivos centrais da Psiconutrição é a reconexão com sinais internos de fome e saciedade. Pessoas em recuperação de transtornos alimentares frequentemente perderam a capacidade de identificar e responder adequadamente a esses sinais corporais, confiando em regras externas.

O desenvolvimento de uma relação mais flexível com a alimentação é outro componente essencial. Isso inclui:

  • Desafiar a categorização de alimentos como “bons” ou “ruins”.
  • Expandir gradualmente a variedade alimentar, reduzindo medos e ansiedades.
  • Trabalhar com a ansiedade associada a alimentos anteriormente evitados ou consumidos compulsivamente.

Técnicas de mindful eating (alimentação consciente) oferecem ferramentas valiosas para momentos de vulnerabilidade:

  • Comer com atenção plena aos sentidos (sabor, textura, aroma, aparência).
  • Observar sem julgamento pensamentos e emoções que surgem durante as refeições.
  • Reconhecer a diferença entre fome física, fome emocional e desejos alimentares.

O planejamento alimentar na Psiconutrição difere significativamente das dietas tradicionais, pois considera aspectos psicológicos além dos nutricionais, incluindo:

  • Estrutura alimentar flexível que previne tanto a restrição quanto a compulsão.
  • Inclusão de todos os grupos alimentares, incluindo aqueles anteriormente temidos.
  • Consideração de preferências pessoais, contexto cultural e praticidade do dia a dia.
  • Criação de planos de contingência para momentos de maior estresse emocional ou gatilhos.

Plano de Prevenção de Recaídas: Uma Abordagem Prática e Personalizada

Desenvolver um plano estruturado de prevenção de recaídas é uma estratégia fundamental para manter os ganhos obtidos no tratamento de transtornos alimentares. Este plano deve ser altamente personalizado, considerando a história individual, fatores de risco específicos e recursos disponíveis para cada pessoa.

A identificação personalizada de gatilhos e situações de alto risco é o primeiro passo. Isso envolve uma análise detalhada de recaídas anteriores (se houver) e um mapeamento de circunstâncias (emocionais, sociais, ambientais) que tipicamente aumentam a vulnerabilidade.

O desenvolvimento de estratégias de enfrentamento específicas para cada situação de risco identificada é essencial. Estas estratégias podem incluir:

  • Técnicas de regulação emocional (ex: exercícios de respiração, meditação, hobbies).
  • Reestruturação cognitiva (desafiar pensamentos negativos).
  • Comunicação assertiva (expressar necessidades e limites).
  • Práticas de autocuidado preventivas (sono, lazer, atividade física).

A criação de um plano de emergência para momentos de crise oferece um roteiro claro e prático quando sinais de recaída são identificados. Este plano deve incluir:

  • Lista de sinais de alerta precoces personalizados.
  • Passos concretos a serem seguidos quando esses sinais são identificados (ex: “ligar para meu terapeuta”, “praticar 10 minutos de mindful breathing“).
  • Contatos de emergência (terapeuta, nutricionista, amigos de confiança, familiares informados).
  • Estratégias de redução de danos para evitar que um lapso se transforme em recaída completa.

O estabelecimento de uma rede de apoio efetiva é crucial. Esta rede pode incluir profissionais de saúde, familiares e amigos informados e capacitados para oferecer suporte, e grupos de apoio (presenciais ou online).

Estratégias Terapêuticas para Manejo de Recaídas: Aprendendo e Avançando

Quando uma recaída ocorre, apesar dos esforços preventivos, é fundamental ter estratégias específicas para seu manejo, visando minimizar o impacto e retomar o caminho da recuperação:

  • A normalização da recaída como parte do processo de recuperação é um primeiro passo crucial. Reemoldurar a recaída não como um fracasso, mas como uma oportunidade de aprendizado sobre os gatilhos e necessidades internas, pode reduzir significativamente a vergonha e facilitar o reengajamento no tratamento.
  • Técnicas para interromper o ciclo de vergonha e autocrítica são essenciais, pois esses sentimentos frequentemente intensificam os comportamentos do transtorno alimentar. Abordagens úteis incluem práticas de autocompaixão, técnicas de defusão cognitiva (distanciar-se dos pensamentos negativos) e diálogos de cadeira para confrontar o “crítico interno”.
  • A reavaliação e ajuste do plano terapêutico é frequentemente necessária após uma recaída, incluindo análise detalhada dos fatores contribuintes e identificação de necessidades não atendidas ou estratégias que precisam ser reforçadas.
  • O fortalecimento da motivação para retomar o processo de recuperação é fundamental. Técnicas da entrevista motivacional podem ser particularmente úteis, explorando a ambivalência em relação à recuperação e reconectando a pessoa com seus valores pessoais e objetivos de vida que vão além do transtorno.
  • O reengajamento com valores pessoais além do transtorno alimentar ajuda a reconectar a pessoa com aspectos significativos de sua vida (carreira, hobbies, relacionamentos) que podem ter sido obscurecidos durante a recaída.

O Papel Crucial da Família e da Rede de Apoio na Recuperação

O ambiente social desempenha um papel crucial tanto na prevenção quanto no manejo de recaídas em transtornos alimentares. Familiares e pessoas próximas podem contribuir significativamente para a criação de um contexto que apoie a recuperação sustentável.

Recaídas São Oportunidades de Aprendizado na Recuperação

A jornada de recuperação de um transtorno alimentar é raramente linear, e as recaídas, embora desafiadoras, representam oportunidades valiosas de aprendizado quando abordadas com as estratégias adequadas e com o apoio necessário.

A Terapia do Esquema oferece ferramentas poderosas para identificar e modificar os padrões emocionais e cognitivos profundos que sustentam os transtornos alimentares. A Psiconutrição complementa esse trabalho ao integrar princípios psicológicos e nutricionais, promovendo uma relação mais saudável, intuitiva e flexível com a alimentação.

O desenvolvimento de um plano personalizado de prevenção de recaídas é fundamental para manter os ganhos obtidos no tratamento. E, quando uma recaída ocorre, estratégias específicas de manejo podem transformá-la em uma oportunidade de aprofundar o autoconhecimento e fortalecer a recuperação a longo prazo.

É importante normalizar as recaídas como parte comum do processo de recuperação, reduzindo a vergonha e a culpa que frequentemente as acompanham. Com as estratégias adequadas, o apoio profissional e uma rede de suporte, é possível não apenas superar recaídas, mas transformá-las em passos importantes na jornada em direção a uma relação mais saudável com a alimentação, o corpo e consigo mesmo.

Este conteúdo tem caráter informativo e educacional. Ele não substitui o aconselhamento, diagnóstico ou tratamento profissional de um médico, psicólogo, nutricionista ou outro profissional de saúde qualificado. Se você está lutando com um transtorno alimentar ou enfrentando uma recaída, considere buscar ajuda de profissionais especializados na área, como psicólogos, nutricionistas e médicos. Sua saúde e bem-estar são prioridade.

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